Escrever.

Imagem: via reprodução

Por cada lugar onde passo, questionam-me sobre o meu processo de escrita, o que significa definir-me como escritora e como sou capaz de conciliar tal atribuição as demais áreas da minha vida, afinal, em contrapartida, sou também estudante de psicologia e leitora voraz de inúmeros livros, oficialmente desde dois mil e onze, quando resolvi aventurar-me nesse universo imaginativo e decidi, após experimentá-lo, nunca mais sair. 

Possuo paralelo a estas aspirações, outros hobbies, como o fascínio gigantesco pela filosofia, o que que me permite pensar em uma possível outra graduação após psicologia, tento também aprimorar o meu gosto por cinema, porém as inúmeras responsabilidades e o meu laço inquebrável com a vida intelectual talvez boemia não me possibilitam assistir tantas séries e filmes e posteriormente indagar de modo reflexivo a respeito de cada uma, embora sejam uma grande fonte de inspiração e saber. Culturalmente falando, estou em um processo constante de transformação e de apropriação de conhecimento e sabedoria, mesmo que seja da maneira mais difícil que alguém pode aprender: quebrando a cara ou se decepcionando.

Porém, a escrita, esse ato de bravura e de coragem, ocupa uma parte excepcional da minha vida, e a cada dia, seu impacto e significado aumenta proporcionalmente à medida que permito-me transformar o sentido que escrever tem para mim. Sempre ouvi dizer que devemos buscar nosso propósito e nos agarrar a isso, essa missão deve também consolidar ou formar uma parte de nós, no meu caso, escrever ocupa tudo que há em mim. Todas os vazios e os ocos que a vida não se encarregou de preencher, minhas partes faltantes, ou a ausência de coisas que o mundo inteiro consideraria como necessidade básica, a escrita completa.

Assumi a identidade de escritora há alguns tantos anos, embora meus primeiros registros escritos sejam datados de uma infância já marcada por questões inquietantes e particulares. Adotei a escrita como meu norte e porto-seguro oficialmente ao final de dois mil e onze, porém já apresentava tendências a essa escolha bem antes, quando me apropriei das palavras como se eu abraçasse meu verdadeiro propósito e aceitasse minha essência, ainda me pergunto se não foram elas [as palavras] que me escolheram. 

Escrever é parte essencial de quem eu sou, é o que me permite enxergar a vida desse jeito, ao mesmo tempo triste e feliz, como foi citado em as vantagens de ser invisível, é através das anotações, rabiscos e rascunhos feitos entre um ano e outro, um instante e outro, que me refaço como ser humano, que me descubro como mulher, que me permito ser conduzida por uma intensidade muitas vezes sufocante, por uma raridade que o mundo ainda desconhece, que exploro o meu lado criativo, extrapolo as sensações superficiais, adentro a profundeza de emoções que para muitos é assustadora.

Escrever é colocar a vida e todas as suas camadas, em palavras.

Sobre os personagens. Desenvolvo inúmeros, e eles acabam compondo contos, crônicas, prosas, poemas, narrativas curtas e micro histórias (na maioria das vezes, crônicas) e todos com traços peculiares, extraordinários, qualidades horríveis, aspectos desprezíveis, atitudes equivocadas, muitos deles estão sedentos por vingança, mergulhados em tristeza, marcados por decepções, outros acreditam que merecem uma segunda chance, estão crentes do perdão, sente-se perdidos no mundo, acreditam que o suicídio, as drogas e o cigarro são a resposta, outros possuem uma esperança admirável e coragem invejada, outros eu faço questão de matar, ou de permitir um final feliz, mas todos possuem algo em comum: todos escolheram seus próprios destinos, eu apenas guio as palavras para tal finalidade. 

Escrever é isso: escolher entre incontáveis possibilidades, quebrar barreiras, inventar pontes, desconstruir o utópico e entregar o possível, ou vice-versa, é a experiência contada, seja em primeira ou terceira pessoa, ou com um narrador onipresente relatando os acontecimentos, um cenário nova-iorquino ou a desgraça da zona leste. Quando escrevo, abraço as minhas interioridades, as  limitações e fraquezas existentes em mim, arranco-me daquela zona inerte de conformismo, da irrefutabilidade das ideias, da não aceitável do que é tangível para alcançar a exatidão do impossível, seja o amargo das descobertas ou o doce da própria invenção.  

Escrevo porque a vida também não basta, sou descontente com as definições, imposições, os manifestos inalteráveis, sou contra a ideia do não refletir, do não questionar, do significado pronto engolido, preciso de mais, e escrever me possibilita o mais, não de maneira fácil, como falou Pablo Neruda, escrever é fácil, você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca ideias. A dificuldade está nas ideias, no pensar, no ato de viver em prol da criatividade, da transcendência das palavras, na ternura ou tragédia que pode haver nelas. Viver e escrever são somente sinônimos da mesma coisa, e ambas exigem criatividade. 

Apenas descobrimos o que é escrever, quando escrevemos, e apenas conhecemos o verdadeiro sentido da vida e o seu propósito, quando a vivemos. Encerro as minhas intermináveis palavras com um comentário marcante de Gabriel Perissé (doutor em filosofia da educação e mestre em literatura brasileira pela Universidade de São Paulo): "há dois tipos de escritores: os que dizem sim a vida e os que dizem não."

Eu disse sim.





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