TEMPO

Eu acreditei, por um milésimo de segundo, que finalmente havia esquecido, porque tudo de mim fez o impossível para afastar-me do que ainda sobrou, porém em um espaço que parecia quase inexistente, a saudade sempre existiu, de um ponto a outro, eu ainda conseguia sentir as mãos leves me tocando, o sorriso inocente depois de um gole de vinho, o mais breve murmurar de doces palavras consumindo-me de modo tão suspeito que não me deixava tempo o suficiente para pensar em qualquer lógica que pudesse ser real.

Mas tudo parecia estranho sem aqueles tons escuros que desnutriam cada intervalo minucioso das minhas repetitivas semanas, dos meus intermináveis dias e das incontroláveis horas que oscilavam tão freneticamente como um coração descompassado, porque a falta era demais para não conseguir reviver os momentos quase inconscientes que fugiam de mim, que corriam e reviravam cada instante solto e cada segundo em que tudo parecia na mais constante falta. 

Já não permitia avançar-me como antes, com a mesma coragem que possuía, embora levasse todo o peso do mundo nas próprias costas e recuasse em cada curva que se mostrava escura demais para percorrer, até encontrar o caminho mais seguro, em que não me desequilibrasse por completo, em que a luz pudesse finalmente existir e guiar os pequenos passos de quem ainda se recupera, porque a falta me definhou por completo e arrancou-me forças a ponto de não restar onde me apoiar, só o buraco vazio de quem não atravessa o novo. 

A saudade destrói o que o tempo não consegue curar, o que já não é mais tarefa do passar necessário das estações, porque é assim que se torna possível arrancar os destroços que insistiram em ficar, que ninguém conseguiu remover por mais que se tentasse concertar o que se desfaz na passagem rápida e incurável do tempo, porque a saudade se faz presente e grita tão silenciosamente que se faz imaginar um carinho traiçoeiro do traidor, o beijo equivocado da armadinha que ninguém mais percebe e o abraço inseparável da própria exaustão. 


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