IR EMBORA

Tenho essa mania de fugir das coisas que não entendo, do que costuma me assombrar dentro desse caos incompreensível que é viver. Penso constantemente em arrumar as minhas malas antes do amanhecer e partir bem cedinho, quando o sol ainda não despertou, quando o silêncio ainda não deu espaço para nenhum "bom dia" dito na pressa de mais um dia. 

Quero pegar o primeiro trem, sem saber se quer o destino para o qual irei, porque eu gosto também do imprevisível e do desconhecido, e ver pela janela embaçada e sentir no frio do vagão um novo sentido de tudo que já havia perdido o seu sentido.

Viver as histórias que eu tanta escrevia e dizia que eram apenas crônicas e rascunhos de uma metáfora que eu nunca contei por completo, e resmungar sobre a solidão sentida em cada novo cômodo e ocultar o mofo das paredes e a sujeira dos cantos que abandonei antes de começar a limpá-los. 

Esperar até a próxima parada antes de entrar na lanchonete e pedir um café com leite para aquecer o coração tristonho que bate sem ao menos entender o porquê, e embarcar novamente em direção ao destino sem que se saiba quanto tempo é preciso para chegar. 

Não sei se a demora é de segundos ou se apenas um instante longo demais é suficiente para acontecer. Eu acho que talvez a viagem dure apenas um suspiro, ou o fechar repentino dos olhos, mas torço para que seja rápido como já me falaram, porque eu estou impaciente desde o primeiro dia em que decidi revirar todas as gavetas e arrumar as malas. 

É o jeito que eu encontrei de ir embora, e recomeçar, e desconectar o passado do mesmo jeito que se retira uma lâmpada depois de queimada, quando já não restar nenhum fagulha de luz que seja suficiente capaz de mostrar o caminho.

É pular todos os capítulos até a última página sem lê-los, e finalmente entender que não existe mais jeito algum de escrevê-los, porque ir embora é apagar o que já foi dito para ninguém mais ler até que se comece uma nova história. 

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