Eu não quero ir embora, mas estou indo


Abri o portão do prédio e não me importei em deixá-lo aberto. Subi rapidamente até o meu apartamento, o último daquele andar. Era uma noite tão igual a todas as outras, mas ainda assim algo parecia não fazer sentido. Tentei não pensar muito, mas a bebida me obrigava a reviver tantos pensamentos dos quais eu só queria fugir. Os efeitos colaterais do uísque estavam me consumindo bem lentamente, e até mesmo colocar a chave na porta exigiu um sacrifício imenso.

Limpei todas aquelas lágrimas que ainda se demoravam no meu rosto pálido. O rímel borrado e todo o restante da maquiagem desfeita contorciam a minha aparência de um jeito que não consegui mais encarar o meu reflexo no velho espelho do banheiro. Também não consegui me manter de pé por tempo o suficiente, e toda vez em que tentava me equilibrar, meus pés tropeçavam repetidamente no vazio de cada canto. Me joguei na cama esperando que os lençóis limpos pudessem remover toda aquela sujeira da alma, mas eu continuei sentindo todo o peso do mundo contra os meus ombros.

Ainda perdida em um silêncio quase insuportável, ouvi o entreabrir da porta, chaves batendo contra  a mesa de vidro e passos ensaiados seguindo firmemente na direção do quarto. Enfiei o rosto no travesseiro e continuei prendendo a respiração até ter a certeza de que aquelas lágrimas não estariam mais ali quando eu o encarasse. Dei uma breve olhada na tela do celular para saber se ainda era cedo, mas então me assustei ao perceber que já haviam se passado quase 3 horas desde que saí daquele bar na esquina e voltei cambaleando para casa.

- Não achei que fosse chegar cedo, normalmente você fica até mais tarde de segunda - Miguel murmurou, e senti na sua voz uma pontada de cansaço da mesma maneira que minha cabeça parecia a um segundo de explodir.

Não encontrei minha própria voz quando tentei dizer alguma coisa que pudesse fazer sentido. Torci para meu rosto não estar tão péssimo do mesmo jeito que eu me sentia por dentro, mas parecia difícil me convencer de que tudo ficaria bem. Miguel ligou o notebook antes de se sentar ao meu lado na cama, e apesar de ter tentado me afastar no mesmo instante, rezei silenciosamente para não ter coragem o suficiente para fazer o que eu estava prestes a fazer.

- Não fui trabalhar hoje - disse. Senti seu olhar se voltando rapidamente em minha direção, e percebi de imediato a surpresa presente em seus olhos quando me encarou pela primeira vez.

- Você não está se sentindo bem? - questionou, preocupado.

- Não é isso. - olhei para minhas mãos trêmulas antes de procurar um jeito de continuar.

- Então o que é? E você andou bebendo? Estou sentindo um cheiro forte de álcool.

- Isso não importa, porque eu serei breve com o que tenho pra falar. - disse finalmente.

- Aconteceu alguma coisa? Você está me assustando. - o pequeno temor era nítido em seu tom de voz.

- A gente não pode continuar juntos. 

- Da onde você tirou isso? Estamos nos dando tão bem, não me venha com essa loucura, Gabriela. Isso só pode ser a bebida. 

- Mas eu estou sóbria demais para saber que a gente foi um erro. E um dos meus piores. - enquanto as minhas palavras se tornavam um peso entre nós, eu fiz o impossível para bloquear tantas lágrimas que ameaçavam surgir.

- Não pode ser a mulher que eu amo falando isso. - ele disse, depois de um rápido silêncio.

- Acabou aqui. Acabamos. Vou pegar minhas coisas e ir embora. Ainda hoje. - antes que meu olhar se deparasse com aquele desespero presente em cada traço do seu rosto, me levantei e já comecei a encher uma mochila com todas as poucas coisas que estavam no quarto.

- Você não vai sair daqui nesse estado. Toma um banho, come alguma coisa, dorme um pouco. Depois conversamos, quem sabe quando você estiver mais calma. - Miguel tentou segurar o meu pulso, e sobre a fraca luz que entrava pela janela entreaberta do quarto, percebi suas lágrimas antes que eu pudesse evitar todas as minhas.

- Não vai ter depois. Eu já tomei minha decisão. 

- Mas porque? E ainda mais, tão de repente. Me dê um motivo. - ele questionou, soltando-me ao perceber que eu não cederia, desesperado em entender toda a confusão que eu parecia ser para ele.

- Eu não te amo do jeito que imaginei. Não vou conseguir te amar. - e de repente, entre todo o silêncio que penetrava pelo ambiente, ouvi as batidas frenéticas do coração em nossos peitos, o desespero quase engolindo cada um de nós.

- Até ontem éramos o casal perfeito, você mesmo disse isso. Disse que lutaria por mim. Por nós. 

- Mas as pessoas se enganam, e eu me enganei. Me desculpa. - em passos rápidos, e sentindo o arrependimento em cada movimento, ouvir suas últimas palavras me fizeram parar antes mesmo de conseguir abrir a porta.

- Você quer mesmo que eu te perdoe por sair da minha vida assim? Não acredito que está pedindo isso. Você não faz ideia do quanto eu preciso de você na minha vida. 

- Vai aprender a viver sem mim. Talvez não hoje, mas um dia cê vai me esquecer, Miguel. 

- Mas eu não quero. 

- Mas você precisa. Tem a vida toda pela frente. Quero que encontre alguém que te faça feliz do jeito que nunca poderei te fazer. 

- Gabriela, por favor. 

- Não, Miguel. Não me procure. Nunca mais. - e sem olhar para trás, eu parti. Mas não foi apenas do seu apartamento no meio da noite com a intenção de nunca mais voltar em qualquer outro dia, fui embora da sua vida mesmo compreendendo o quanto eu queria ficar, mas a verdade é que é melhor assim. Ninguém vai se machucar, e Miguel vai conseguir me superar na mesma maneira que eu vou tentar superar toda a vida que estava sendo tirada de mim.  

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