Tudo volta a ser como era antes

Ouvi dizer que tudo no universo encontra o seu lugar de volta, que toda causa possui o seu efeito, que quando menos esperar as coisas se encaixam no seu verdadeiro lugar; tenho medo disso e da possibilidade de ser realmente verdade o que dizem sobre retornarmos a nossa essência um dia. De repente, tudo volta a poeira de um porão velho, de livros empoleirados e massacrados pelo tempo, a um relógio solitário e quebrado preso a parede, que não marca o avançar do tempo e pouco se eterniza nele, a uma notícia esquecida de um jornal, a uma história que perde os seus capítulos e o seu sentido no decorrer de palavras surradas, a uma batalha perdida que deixou sequelas. 

De repente, tudo de mim se torna areia fina e minúscula sendo levada pelo vento, atiçada pelo desejo inesperado de ser uma ruína em desconstrução, desaparecendo entre farelo e pólvora, não havia chama que fumegasse em cinzas, portanto não havia incêndio que aniquilasse o restante de mim. De repente, eu estava sendo obrigada a voltar, e tudo em mim implorava para que eu não permitisse, porém cada célula, terminação nervosa, sinapse do sistema nervosa, se tornava aquela areia tênue voltando a sua origem, os ossos regressando à terra, embora tudo gritasse para que eu não deixasse, eu não podia lutar contra a natureza a qual eu havia sido destinada.

Aquela pequena linha tênue que me agarrava ao agora, rompeu-se finalmente: eu estava perdida no tempo, sem conseguir distinguir o que era passado, o que terminava no futuro ou que começava nesse instante, o tempo me fugia veloz, e eu devagar, me perdia, alucinada demais para tentar não me deixar sumir, esquecida sob a tábua ensanguentada do fracasso. Essa frágil linha tênue acinzentada como um céu chuvoso me fazia não perder as estribeiras, era o que me mantinha longe o suficiente do abismo que havia me consumido quase tudo.

E agora rompida, quebrada em fragmentos sem vida e cor, perambulantes como andarilhos em passos fraquejados e gastos, aquela fina linha que me deixava não sucumbir as alucinações vorazes da vida e as suas garras traiçoeiras que aprisionavam a alma, que fazia o vazio não existir, a ausência e falta de amor não me matarem em pequenos bocados, a solidão esmagadora de não haver ninguém a não ser um pedaço gasto de papel, a tristeza deteriorante que arranca o que nunca tive em mãos, já não existe.

E sem que haja a sua tentativa de me envolver fortemente a ponto de não mais voltar ao passado e nem me ver novamente diante de tudo o que ela repelia com tanta facilidade, a vida em mim volta a ser como era antes: uma mistura com gosto do automático, involuntário, rastejando morto, escuro, perturbado, sem possibilidade de sentir, de encontrar no que me agarrar. Não havia sentido no estar, mas o deixar de existir dá trabalho, e não tenho forças para isso.

Dizemos que não temos medo da solidão, até estarmos de fato só.

Tudo volta a ser como era antes: o meu eu mergulhado em completa solidão, definhando sem a possibilidade de sentir, ausência de amor para chamar de seu, apodrecendo pelos cantos invisíveis em que esconderei a dor para fingir que vivo, mas que me desfaço a toda hora, perdida, e por um infinito ligeiro, o universo me permitiu sem feliz entre um piscar e outro, me permitiu confirmar que vinhemos ao mundo para amar e ser amado.

Mas agora, sou como era antes: sozinha e sem ninguém. 

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