Medo. Essa foi a primeira palavra que sucumbiu em meus pensamentos logo na calada da noite, enquanto o silêncio perpetuava suas guarras profundas na soleira da porta entreaberta. Até que amanheceu e eu me pus rapidamente de pé. Ainda sobressaltada com a ausência de distinção entre a linha imaginária que separava a noite do amanhecer, adentrei em um banho insuportavelmente fervoroso, deliciando-me com a quentura da água que chegada a tremeluzir os poros da minha pele em chamas invisíveis. Retornei a quietude do quarto, e novamente estava lá. Medo. Aquela pequena semente pareceu aumentar à medida que as nuvens se propagavam ao longe, inundei-me de coragem e abri as cortinas até uma pequena brecha de luz florescer por dentre o quarto. 
Ainda estonteante pela onda repentina de coragem que pareceu-me tão inofensiva no começo não tardou a me obrigar a aspirar o ar que cintilava frenético lá fora, e nada me transmitiu tamanha paz do que aquele alvorecer prateado que recobriu toda a camada escura de antes. Medo. Não poderia me esconder de modo tão fácil quanto eu imaginei debaixo das minhas cobertas sobre a cama, até porque cada desarrumado agora encontrava-se organizado sobre uma pequena pilha de panos dobrados. Não quis de maneira alguma atravessar a soleira da porta, muito menos introduzir aquela pequena chave até ouvir o ranger dos portões arrastando-se até mostrar uma vista embelezada pelo brilho impaciente da manhã. Os minutos avançaram e eu me vi andando com os pulmões arfando sob as ventanias corpulentas que bagunçavam meus cabelos e me recobriam de uma brisa cada vez mais forte.
Medo. Me propus a correr, mas meus pés chacoalhavam em um ritmo lento, mas do que eu estaria correndo se não existia ameaça nenhuma a vista? O sentimento perpétuo encontrava-se cada vez mais vivo enquanto eu adentrava a multidão de corpos apressados e desengonçados que pretendiam desembarcar no mesmo destino. A cidade encontrava-se viva, inundava de fortes sussurros, de incontáveis gestos e de passos rápidos, correrias frenéticas, e um tempo cada vez mais escasso. E ninguém parecia demonstrar medo algum em suas expressões vazias e seus corações entornados, pelo menos não na intensidade que a insegurança pairava sobre mim enquanto me obrigava percorrer ainda mais o interior da cidade, nas suas raízes afrouxadas e no tumulto constante de quem sente o mais precário medo. 

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