Eu não vou continuar [crônica]

Estou sentindo que cada parte do meu corpo não vai aguentar. A dor faz a minha respiração falhar, por isso tenho tanta dificuldade em absorver o ar até aos meus pulmões. Não consigo correr por tempo o suficiente, mas quando tento caminhar em passos lentos, minhas pernas tremem e eu só consigo sentir um aperto tão forte no coração, e é como se no próximo segundo ele fosse parar de bater tão rápido e desesperado. 

E eu imploro por isso, porque também quero sentir o medo sussurrando no meu ouvido, ou gritando para eu dar meia volta, mas às vezes a gente coloca uma ideia tão fixada na cabeça que nenhum sentimento é capaz de tirá-la. Não quero ir embora, mas se eu não for, ou se eu não tiver coragem o suficiente para continuar, a tempestade dentro de mim continuará se agitando, de qualquer jeito, vou sentir todos os meus órgãos se contorcendo, porque estou rezando para ser fim.

Mas se não for, estou disposta a encontrá-lo. Quantas histórias terminam antes mesmo de começarem? Já vivi tempo demais para entender que todo mundo tem o seu próprio final, e todos são diferentes, mas ninguém acabou imaginando que o meu seria desse jeito. Todos esses anos foram como aquele pote no congelador que você acaba tendo certeza de que é sorvete, mas que no final é apenas uma porção de feijão, mas eu não me importo de morrer assim.

Começa a chover. Sinto uma garoa fina encharcando lentamente minhas roupas. A dificuldade que tenho em continuar se intensifica, mas não é pelo desespero ou medo. É uma mistura de coragem e prazer. Em um instante eu tenho o controle de tudo, mas depois eu sou consumida por um vazio imenso que afoga todo o meu medo, e eu não faço ideia do que acontece depois. Faço o possível para me recordar de como é sentir a ventania contra o rosto, ou a escuridão da noite encobrindo quase tudo. Não quero me esquecer de como é sentir a chuva em mim, ou o silêncio sendo quebrado pelas gotinhas tão minúsculas que batem no chão. 

Fico me perguntando o que acontece se eu me deitar no meio da ponte e encarar o céu. Decorar cada pedacinho dele e ao mesmo tempo saber que será a última vez, e tentar não me martirizar por não ter feito isto em todas as oportunidades que tive, porque eu sempre acreditei que na manhã seguinte eu tivesse uma nova chance, mas parece que agora finalmente será game over. Acho que sempre procurei um motivo para desligar tudo, e agora que encontrei, estou com medo de fechar os olhos. 

É inevitável não sentir medo, principalmente agora que subi na extremidade da ponte, agora que toda a minha vida passa diante dos meus olhos como um filme, mas não quero revivê-lo, não quero sentir toda essa solidão de novo, não quero encarar o vazio e sentir que ele me encara de volta. É engraçado, mas eu não tenho um bom motivo para viver, e as razões que tento achar nunca são o bastante. Eu tenho medo de esquecimento, porém eu não posso fugir dele. 

Quando eu me jogar, eu vou estar livre de tudo que nunca tive, e das coisas que nunca me pertenceram, porque eu realmente nunca me senti parte disso. Não tive a vida perfeita, e também não tive a pretensão de ter, e agora, diante da morte, eu não sei dizer se me arrependo de tê-la vivido por tanto tempo ou não. Vou deixar uma saudade imensa no coração de algumas pessoas, mas a maior saudade será eu que vou sentir. 

Tudo bem eu não terminar a minha tão sonhada faculdade, ou não conseguir aquele estágio que eu tanto queria na metade do semestre. Tudo bem eu não terminar todos os meus projetos pessoais, e não chegar a velhice como meu pai desejou para mim antes de ir embora. Não faz diferença. Tudo bem eu não me despedir da família que eu nunca tive. Também não faz diferença. Eu prefiro morrer do que viver tudo de novo, porque meu coração já não suporta tamanha dor e solidão. 

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