Senhora | José de Alencar
Ficha Técnica
Título: Senhora
Autor: José de Alencar
Editora: Ática
Edição: 34. ed, 2003
Local: Rio de Janeiro
Ano de Publicação: 1875
José
de Alencar, político, jornalista, dramaturgo, advogado e escritor, filho de um
padre, consequência de uma união considerada ilícita e particular, nascido em uma cidade do Ceará, foi um dos
principais representante de uma das épocas mais significativas dentro da
literatura, o romantismo, publicou romances urbanos, indianistas e regionais. Ao
iniciar o curso de Direito no Largo de São Francisco, deparou-se com o romantismo também visível no
estilo de vida das pessoas: a boemia, bebidas, bares, ressacas, porém José de Alencar
sempre adotou uma postura disciplinar e moderada, conciliando seu tempo entre os estudos acadêmicos e
a literatura, nunca alheio aos hábitos da própria juventude na época; em meio a
sua carreira como escritor, descobriu os primeiros sintomas de tuberculose, mal que
o acompanhou durante quase trinta anos.
A
obra Senhora, um dos mais importantes romances de Alencar, contextualiza as
principais características da sociedade e o funcionamento do meio social na
Corte durante o Segundo Reinado. Senhora nos apresenta a história de Aurélia, uma
jovem mulher que após passar por longas mudanças ao sair da sua condição de pobreza
para ganhar uma herança inusitada, torna-se uma das mulheres mais ricas e admiradas
do seu entorno social, frequentando bailes e festas e tendo sobre si olhares de
contemplação e estima. Quando ainda possuía uma vida humilde e carente,
conheceu o grande amor de sua vida, Fernando Seixas, um rapaz também privado de
certas regalias, que correspondeu de imediato ao seu forte sentimento, porém
com receio de continuar com seu status desafortunado ao casar-se com Aurélia, ele
a abandona e torna-se noivo de Adelaide por uma determinada quantia acreditando
que essa união acarretaria em mais benefícios financeiros.
Quer saber minha opinião? isso que o senhor chama escravidão, não passa da violência que o forte exerce sobre o fraco, e nesse ponto somos nos mais o menos escravos, da lei, da opinião,das conveniências, dos prejuízos, uns de sua pobreza, e outros de sua riqueza. Escravos verdadeiros, só conheço o tirano que os faz, o amor; e este não foi a mim que o cativou.
Aurélia,
quando se vê sozinha após o falecimento de sua mãe, cuidada somente por Dona
Firmina, sua tutora, e amparada por uma herança milionária deixava pelo seu até
então desconhecido avó, decide elaborar uma vingança proposital contra Seixas e
dar-lhe o troco pelo abandono, decisão esta que dá inicio a uma sucessão de
acontecimentos e reações que demonstram o quanto a ambição é capaz de transformar
qualquer sentimento, por mais intenso ou puro que seja.
Ao
longo da narrativa, nos deparamos com um contexto no qual o casamento era
visto, não unicamente por um viés romântico ou a busca pela "alma gêmea", como também uma possibilidade de
mudar o status do indivíduo, e foi justamente esse egoísmo próprio de
Fernando que o fez aceitar a chance de alterar sua posição social. Na época, era comum haver casamentos arranjados e conduzidos pela fortuna
que o sujeito possuía, em vista disso, as mulheres que tivessem condições
mais desfavorecidas, a chance de conseguirem achar um pretendente eram menores.
A obra de Alencar
retrata como um casamento comandado pelo poder aquisitivo, pelo patrimônio e as
riquezas individuais, como ocorreu quando Fernando aceita desmanchar seu noivado
com Adelaide, para se casar com Aurélia por uma alta quantia que receberá como
dote, sem ao menos ter o conhecimento de quem era a noiva, permite que uma
união se transfigure em rancor, repugnância e desafeto, como um ato de amor
passa a ser tratado como uma simples operação mercantil.
Fernando
sente-se humilhado após descobrir que era Aurélia a jovem moça com quem iria
formalizar o casamento, reconhece que se tornou uma mercadoria, um objeto
vendido e comprado por outra, submete-se aos caprichos de sua esposa. José de
Alencar, para ilustrar o tráfego mercantilista no qual se baseia o
relacionamento de ambos, utiliza termos adequados ao comércio para nomear os
capítulos da obra: preço, quitação, posse
e resgate. Em meio ao jogo adotado por Aurélia e Fernando, ela própria se limita a aceitar o
desgosto da vida, a enorme frustação do seu amor idealizado e o coração
partido, tentando se manter ora indiferente aos grandes decepções enfrentadas e
ora resignar todo o sentimento ferido que ainda carrega dentro de si e que
insiste em esconder do marido, enquanto Fernando envergonhado e humilhado pelo
rebaixamento ao qual se submetera, maravilhar-se com a beleza e grandiosidade
de Aurélia, se equilibrando no desejo de possuí-la e simultaneamente em manter
o distanciamento mesmo estando tão próximos.
Representamos uma comédia, na qual ambos desempenhamos o nosso papel com perícia consumada. Podemos ter esse orgulho, que os melhores atores não nos excederiam. Mas é tempo de pôr termo a esta cruel mistificação com que nos estamos escarnecendo mutuamente, senhor. Entremos na realidade por mais triste que ela seja; e resigne-se cada um ao que é: eu, uma mulher traída; o senhor, um homem vendido.
Alencar
explorou de modo significativo o psicológico dos personagens, principalmente
quando retrata com detalhes e particularidade os sentimentos de Aurélia,
relatando com minúcia a intensidade da paixão que ainda detém por Fernando,
suas complexidades internas, os desgostos e desprazeres sentidos, os
pensamentos que se apoderam de seu espírito tão firme e ponderado, já que ela
também nos é apresentada de maneira independente, “dona de si”, onde a própria protagonista define e determina suas
ações.
Por
se tratar de uma obra do período romântico, José de Alencar mantém uma
preocupação em narrar com certo “exagero”, utilizando uma linguagem dramática,
rebuscada, com uma constante tendência para metáforas e outras figuras de linguagem,
exaltando a beleza de Aurélia em diversos pontos da narração, comparando-a com
elementos naturais de igual perfeição, talvez em algum trecho da leitura se
torna cansativo se deparar tantas vezes com o tom exagerado da linguagem, como
por exemplo “ídolo dos noivos, deusa dos bales, musa dos poetas, rainha dos
salões, nova estrela, brilhante meteoro”. Haja paciência, porém a leitura rica
em detalhes vale a pena.
O
tom de crítica exposto por Alencar ao trazer para nós costumes, hábitos e as
posturas adotadas pela sociedade da época, como também a necessidade de uma
vida de aparência, escondendo as imperfeições familiares e a imprecisão das relações,
nos faz refletir no significado do casamento
para cada indivíduo, e a maneira única como lidamos com as idealizações frustradas
e tentamos ultrapassá-las ou escolhemos nos prender justamente as desilusões
sem perspectiva alguma de mudança. Aurélia e Fernando são dois personagens que evidenciam
a luta entre o inferno e o paraíso, entre o desejo e o não desejo,
o desequilíbrio existente no amor e na ganância desenfreada de status e
dinheiro, dois aspectos que podem coexistir, porém nunca o último em detrimento
do primeiro.
E o que é a vida, no fim de contas, senão uma contínua transação do homem com o mundo?
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